quinta-feira, 4 de abril de 2013

um dia umbandístico

Quando ele chegou no terreiro aquela sensação boa de costume o invadiu, sentiu-se em casa, não que ali fosse realmente o seu lugar, mas aquele lugar lhe trazia boas energias.

Respirou fundo, fez o sinal da cruz (mais como um costume do que pensando em seu real significado, afinal para ele o que contava em relação à espiritualidade era a canalização de suas energias, um básico "você atrai o que transmite") e deu um passo a frente, esperava do fundo do seu coração que aquele dia lhe trouxesse algo que acalmasse sua alma. Tinha no fundo de seu ser uma sensação de inquietação que persistia em lhe incomodar, como uma pedrinha dentro do sapato.

Sua mãe lhe aguardava em pé dentro de uma espécie de garagem, estava conversando com uma moça, que deveria ter uns vinte e cinco anos, sobre a limpeza que seria feita dentro de poucos instantes, não entendia muito bem sobre o assunto mas achou bem estranho os potes cheios de feijão, canjica e milho de galinha, mas aprendera a não duvidar e muito menos subestimar as crenças dos outros.

Não demorou muito e a Burra da Vó saiu de dentro do terreiro, a Vó havia desincorporado, "subido", agora sua Burra teria um intervalo para tomar seu café e recompor um pouco de suas energias, o que foi bem planejado, já que a pipoca para a limpeza, que precederia a sua conversa com a Vó, nem estava pronta ainda.

Por alguns instantes ficou fitando o Zeca, cachorro que era da Burra, da Vó ou do terreiro, não saberia dizer. Grande e de pelo preto, ficava estirado quase o tempo todo pelo quintal, quase sem forças de se mexer. Por algum motivo ele respeitava aquele cachorro, parecia que ele estaria pronto para dar sua vida em uma batalha pelo bem, como um protetor, para ele, o aspecto frágil do cão pouco importaria se surgisse uma situação que exigisse dele energia. Sempre que pensava isso sentia-se um tanto quanto louco, mas quem não tem de louco um pouco?

Era apenas a segunda vez que visitava o terreiro apesar de sua mãe já trabalhar ali há algum tempo, sua primeira experiência não poderia ter sido melhor, chegou com tantas dúvidas quanto é possível alguém ter sobre seu futuro e, em questão de horas, recebeu orientação da Bura através de um jogo de búzios. Apesar de curioso, era cético. Cético porém espirituoso, afinal tinha vontade de acreditar em algo, misturada com o medo de se deixar levar, de tirar o pé do chão. Tentou nos tempos seguintes ao jogo não se deixar levar puramente pelas palavras e respostas adquiridas do jogo e, com o tempo, incorporou o que julgou ser a melhor interpretação sobre a experiência. Logicamente gostou do que incorporou e, por isso, agora com dúvidas novas e diferentes resolveu voltar em busca de novas orientações. Eu poderia tentar descrever aqui a relação estabelecida com a Vó durante a primeira conversa, porém palavras faltariam para descrever a conexão respeitosa que ali estava presente. Um fato interessante de se notar é que, por algum motivo, ela parecia se divertir com as dúvidas do jovem.

Chegamos enfim ao momento de explicarmos o motivo e as dúvidas que levaram nosso jovem ao terreiro no qual sua mãe trabalha. Devemos entender que este jovem acredita em uma força espiritual superior e criadora de coisas novas, porém não vê necessidade em limita-la e explica-la. Entende-se em sequência que o mesmo acredita em um espírito individual e metafísico, não ligando a morte física a morte espiritual, havendo então a possibilidade de reencarnação. Ele, porém, nunca foi praticante de nenhuma religião, batizado na Igreja Católica, recusou suas origens e detesta ser ligado à tal instituição. Tem necessidade de auto-conhecimento, pois acredita que apenas conhecendo a si mesmo e sendo uma pessoa melhor é que você estará seguindo o caminho do bem, que seria ou pelo menos deveria ser o objetivo de todas as religiões.
Não sendo isso o bastante, ele havia visto uma menina negra com cabelo grande e encaracolado, preso na altura do ombro, segurando um coelho de pelúcia branco com detalhes rosas e um guarda-chuva branco, vestindo uma jaqueta jeans branca e uma calça jeans surrada. Ela passara por ele na faculdade cantarolando o seu nome, sem porém olhar pra trás e desaparecendo antes que ele pudesse de fato te-la perdido de vista.
Foi como se derramassem muito líquido em um filtro, sendo o mesmo equivalente as dúvidas que alguém pode ter sobre o mundo, seu destino e sua razão de ser. Como um turbilhão as dúvidas escorriam para dentro da cabeça do menino, gerando uma inquietação preocupante.

Voltamo-nos então ao terreiro, pois a hora de termos a nossa conversa com a preta velha se aproxima, o garoto encontra-se dentro do terreiro, descalço e ajoelhado em frente as imagens dos orixás, rezando da sua forma para que ajudem-no a encontrar um rumo que dê sentido a sua vida.
Todos presentes no terreno tiveram que entrar dentro do terreiro para não absorver, sem querer, a energia liberada pela limpeza que estava sendo feita.

Não costumava rezar, achava tolice e uma perda de tempo, porém sabia que para abrir uma janela de conexão com o mundo espiritual, para só então encontrar um rumo e uma razão, teria que lutar contra seus preconceitos e fazer coisas que não costumava fazer. Entendia porém o quão poderosa poderia ser a energia de um ser se canalizada em uma única direção, de vários seres então? Acreditava que o entendimento e vontade de uma pessoa acerca de algo podia modificar a matéria, guardadas as respectivas proporções e leis, algumas ainda possivelmente desconhecidas, da natureza.

Feita a limpeza, a Burra começou então seus cânticos de chamado para incorporação da Vó, faltava pouco agora e um certo grau de ansiedade se espalhou pelo garoto, uma ansiedade boa diria ele.

Assim que colocou seus pés dentro do terreiro a Vó o chamou, com aquele sotaque característico, com um carinho imenso. Sua mãe lhe perguntou se gostaria que ela permanecesse com os dois para uma possível ajuda com o entendimento do que a Vó teria para lhe falar, ele prontamente recusou, gostaria de poder escolher o que falaria do que aconteceria ali, afinal a busca era sua e de mais ninguém.
Sentou-se na frente da Vó e ela prontamente fez um comentário sobre o vestibular, centro das dúvidas de outrora, era uma afirmação mais do que uma pergunta:
"Você passou naquela prova né meu fio."
Respondeu que sim e agradeceu a Vó, afinal ela havia sido crucial na sua decisão de mudar de curso, mesmo contra a vontade de todos os seus familiares. Por isso hoje encontrava-se mais feliz do que nunca, realizado com a sua escolha para seu futuro profissional, vinha hoje atrás do seu futuro espiritual e pessoal.
Falou então da sua dúvida quanto à espiritualidade, que vinha sentindo necessidade de maior conhecimento espiritual para sanar suas curiosidades e dúvidas.
A Vó foi então muito sucinta e respondeu-lhe uma coisa inesperada, afinal ele acreditava que ela tentaria traze-lo para umbanda. Respondeu-lhe que devia estudar, que só através de estudos ele poderia sanar tais dúvidas e que precisava disso para encontrar seu rumo, disse não saber se seu futuro era na umbanda ou no kardecismo - achou isso relativamente interessante, pois ele havia visitado um centro espírita no dia anterior, mais tarde quando questionou sua mãe a respeito, ela disse que não havia comentado nada - mas que em seu futuro havia um trabalho que ajudaria muitos jovens. Recomendou-lhe que estudasse um pouco sobre cada religião e que tentasse extrair delas o melhor de cada uma, afinal todas as religiões merecedoras de respeito tem, em sua base e fundação, o objetivo de propagar o bem.
Quando estavam se despedindo, depois de ter recebido a benção da Vó, perguntou sobre a menina que havia lhe chamado a atenção, a Vó apenas respondeu que era um espírito bom que havia resolvido se mostrar para o jovem, e que mais coisas como essa iriam começar a acontecer, afinal segundo a Vó, ele era muito sensível para esse tipo de coisa.

Despediu-se da Vó e saiu com uma certeza, de que não importa o caminho espiritual que você escolher trilhar, seja ele crente ou descrente, se você for uma pessoa que busca passar o bem adiante e ser o melhor que pode ser.

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