segunda-feira, 4 de março de 2013

café servido

A manhã fria e cinzenta era a perfeita descrição de sua vida.
Seu despertador soou com um som tão agudo que chegou a acordar o vizinho de baixo, ele porém nem se mexeu. Já estava acordado, esperava o despertador havia horas, sem nem piscar.
Era um estado parecido com o sono, ele porém ficava de olhos abertos, estava consciente, ou quase isso.

Como uma máquina que acabara de ser ligada, seus pensamentos voltaram a fluir, enchendo cada canto de sua mente. Quando se levantou, sentiu a cabeça doer, talvez tivesse algo haver com o álcool circulando em seu sangue, mas ele duvidava muito. Ele poderia jurar que mesmo se não tivesse ingerido uma gota de álcool, a intensidade da dor de cabeça seria igual.

Aos poucos a realidade voltava a atingir o seu ser, todas as perdas dos últimos meses, as pessoas que ele nunca mais veria, as traições que descobriu, todos os ferimentos sendo perfurados, de novo e de novo pela consciência, o simples fato de saber, sentir, era uma tortura.

Algumas desgraças eram, de fato, resultado de seus atos. "Porque tão insistente e teimoso?" pensava agora, indignado. Outras entretanto, eram a cereja de um bolo feito pelo destino. Deuses conversando e rindo enquanto se embebedavam atrás de mesas fartas, ele conseguia quase ouvi-los, jurava.

Talvez estivesse louco, depois de tudo, não duvidava. Qualquer pessoa devia ter uma condição psicológica mais confiável que a dele, sabia. Ninguém teria sido capaz de suportar aquilo tudo e continuar vivendo normalmente, ele não sabia como ainda aguentava, porém quando se dava conta, a mesa estava servida com o café pronto. Toda sua alma gritava de dor enquanto seu corpo ia trabalhar, como se houvesse algum botão de piloto automático ligado.

Há apenas alguns meses seus pais eram casados e vivos, então como uma tempestade começaram a brigar e a bola de neve culminou na separação. Sua mãe então cometeu suicídio após entrar em uma depressão profunda, ele nada pôde fazer, ou pelo menos é o que dizia a si mesmo, sabendo que se ele acreditasse em qualquer outra coisa não conseguiria viver mais um dia sequer. Logo após a morte de sua mãe, seu pai descontrolou-se nas apostas e foi morto por uma dívida, a qual era relativamente pequena se comparada com o preço de uma vida.

Ele porém pouco se importou, talvez por culpá-lo pelo suicídio da sua mãe.

Algum tempo depois disso, quando finalmente conseguiu se distrair com algo, apaixonou-se. A menina era linda. Morena de olhos verdes, o tamanho certo para ele. O cupido parecia sorrir para ele, enganado. Era o destino travestido, com sua gargalhada de gelar a espinha, um som realmente digno de ser chamado de demoníaco.

Ela era o seu amor prometido, até ter de se mudar para longe. Ficou dias sem conseguir comer nada, talvez a situação tenha tornado ela mais importante do que ela realmente devesse ser. Hoje pensava assim, quando pensava.

A noite caiu e ele voltou para casa, molhado da chuva que agora caía devagar lá fora, exausto depois de um dia de trabalho corrido, resolveu comer o brigadeiro que havia feito, vendo um filme de desenhos antigos. Lembrava-lhe de sua infância, onde tudo parecia tão mais quente e colorido, e assim ele fechou os olhos, adormeceu e fugiu da realidade, da nossa realidade.

Foi morar nos sonhos até acordar de novo, uma trégua para a alma, para poder sobreviver um dia após o outro. Em seus sonhos ele era como o Peter Pan, nunca havia crescido e tudo continuava como nunca devia ter deixado de ser.

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